Caminhos jurídicos e desafios para regulação do carbono em debate no Seminário Internacional

O impacto das políticas de crédito de carbono no agronegócio foi o tema central da mesa de debates “Carbono e Regulação Jurídica”, durante o Seminário Internacional Multidisciplinar do Agronegócio, realizado nesta sexta-feira (23.05), no Cenarium Rural, em Cuiabá. O evento é uma iniciativa conjunta entre o Poder Judiciário de Mato Grosso, por meio da Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso (Esmagis-MT), e a Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato).
Reunindo autoridades do Judiciário, representantes do sistema de justiça, especialistas, produtores rurais e estudantes, o painel tratou dos desafios jurídicos, econômicos e ambientais relacionados à implementação dos mercados de carbono no Brasil, com destaque para a recente aprovação da lei que institui o sistema brasileiro de mercado regulado de carbono.
Direito ao clima seguro e o papel do Judiciário
O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ricardo Villas Bôas Cueva, destacou em sua palestra a urgência da crise climática e a crescente judicialização das políticas públicas ambientais, apontando que o mundo vive um “estado de emergência climática”.
“Há estimativas de que já tenhamos ultrapassado o ponto de não retorno. Diante disso, já se discute a consolidação de um novo direito humano – o direito a viver em um clima limpo, saudável e seguro”, afirmou o ministro, ressaltando que tal direito impõe ao Estado e à iniciativa privada o dever de proteção climática.
O ministro também abordou a criação do mercado regulado de carbono no Brasil, ainda em fase inicial de implementação. Segundo ele, o maior desafio seria estruturar um modelo confiável e inclusivo, que traga o setor agropecuário para o centro das políticas de descarbonização.
“O agro, que é o motor da economia brasileira, está hoje excluído do mercado regulado. Precisamos construir linhas de financiamento, garantir certificação confiável e, sobretudo, integrar o produtor rural a esse processo, pois ele tem potencial e vocação para liderar essa nova economia verde”, afirmou.
“Poluição normativa” e vontade de configuração ambiental
Presidindo a mesa, o desembargador Wesley Sanchez Lacerda (TJMT) reforçou a importância da abordagem multidisciplinar para enfrentar os desafios jurídicos e sociais impostos pelas mudanças climáticas. Com formação acadêmica voltada ao Direito Ambiental, o magistrado alertou para o que chamou de “poluição normativa”.
“A poluição que mais ameaça o meio ambiente é a normativa, que gera deflexão principiológica, ou seja, perda da essência normativa de origem. Precisamos ter uma vontade de configuração do bem ambiental, não apenas consciência. Todos sabem que suas ações impactam o meio ambiente; o que falta é agir com base nisso”, disse.
Ele ainda pontuou a incoerência social entre a mobilização por causas próximas, como a defesa de cães e gatos, em contraste com a negligência à fauna silvestre ameaçada, como onças-pintadas ou sapos.
“O bem ambiental é difuso, coletivo, pertence às presentes e futuras gerações. A defesa do meio ambiente não pode ser seletiva”, completou.
Polarização e responsabilidade compartilhada
A advogada e professora Luciana Monduzzi Figueiredo (UFMT) pontou que há muita polarização em torno do tema. Segundo ela, o mercado de carbono poderia ser um ponto de convergência entre economia e preservação.
Luciana ressaltou que há hoje mais de 170 metodologias para emissão de créditos de carbono e convocou os produtores a conhecerem melhor esse universo.
“Moro em Cuiabá. Quando abrimos a janela em setembro e não conseguimos enxergar um metro à frente por causa da fumaça, entendemos a urgência do debate climático. O mercado de carbono não é um fetiche acadêmico. É uma necessidade real”, concluiu.
A visão do campo
O produtor rural Diogo Domianni, presidente do Sindicato Rural de Sorriso e delegado da Aprosoja, trouxe a perspectiva prática de quem está na ponta da produção.
“O produtor rural brasileiro já adota práticas sustentáveis, como o plantio direto. Mas quando se fala em mercado de carbono, a maioria das empresas que nos procuram está mais interessada no próprio lucro do que em repartir os benefícios com quem realmente protege o solo”, relatou.
Ele defendeu a valorização das práticas já consolidadas na agricultura brasileira, que muitas vezes não são reconhecidas como geradoras de crédito de carbono.
A mesa evidenciou que o debate jurídico sobre o crédito de carbono vai muito além da regulação técnica: envolve direitos fundamentais, mudanças culturais, economia globalizada, e exige uma atuação coordenada dos poderes públicos, da iniciativa privada e da sociedade civil.
Ao encerrar o painel, o desembargador Wesley Lacerda resumiu o espírito do encontro:
“O mundo já é digital, mas a vida ainda é analógica. A proteção do meio ambiente é um compromisso com a sobrevivência. E, nesse cenário, o direito tem papel crucial: dar segurança, garantir direitos, e viabilizar políticas públicas eficazes e justas para todos os envolvidos”.
Os desembargadores do TJMT Mário Roberto Kono de Oliveira e Anglizey Solivan de Oliveira (vice-diretora da Esmagis-MT) e presidente da Associação Mato-Grossense dos Magistrados (AMAM), juíza Eulice Jaqueline da Costa Silva Cherulli, estiveram presentes no evento.
São parceiros no Seminário a Federação das Indústrias no Estado de Mato Grosso (Fiemt); a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado (Fecomércio-MT); a OAB-MT, por meio da Escola Superior de Advocacia de Mato Grosso (ESA-MT) e a Universidade Federal de Mato Grosso, por meio da Faculdade de Direito.