Mudanças no ensino marcam celebração dos 198 anos de criação dos cursos jurídicos no Brasil

Na manhã desta sexta-feira (8 de agosto), o auditório Gervásio Leite, na sede do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), foi palco da Cerimônia de Celebração da Instituição dos Cursos Jurídicos no Brasil, organizada pela Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso (Esmagis-MT). O encontro reuniu representantes do Judiciário, acadêmicos e profissionais do Direito para relembrar a importância histórica dessa formação e refletir sobre os desafios atuais do ensino jurídico.
A data remete à lei de 11 de agosto de 1827, que criou os primeiros cursos de Ciências Jurídicas e Sociais no país, em São Paulo e Olinda. Esse marco é considerado fundamental para a consolidação das instituições brasileiras e o surgimento de movimentos sociais, literários e políticos.
Durante a abertura, o diretor-geral da Esmagis-MT, desembargador Márcio Vidal, destacou que as transformações tecnológicas e sociais exigem respostas rápidas do meio acadêmico e apontou a necessidade de alinhar o ensino jurídico à realidade atual.
“É um grande contentamento receber e fazer parte de um seleto grupo que idealiza e traduz em ações a busca por uma grade curricular consentânea com a realidade que vivemos. O mundo se transforma continuamente e é preciso que todos os atores do sistema judicial acompanhem esse processo. As faculdades de Direito são a célula-mãe de todo o sistema e precisam estar preparadas para formar profissionais capazes de enfrentar os desafios que surgem junto com essas mudanças”, afirmou.
A programação contou com palestras de nomes de destaque no cenário jurídico nacional. O professor pós-doutor Henrique Garbellini Carnio apresentou o tema “O Estudo do Direito na Sociedade do Desempenho – O que Virá?”, destacando que a proposta era refletir sobre como os cursos jurídicos no Brasil, criados em um contexto histórico distinto, precisam se adaptar aos novos tempos.
“Vivemos hoje um período muito diferente daquele do tempo originário dos cursos jurídicos. Minha palestra procura dialogar entre a tradição e as bases do pensamento jurídico com os desafios da atualidade, em uma sociedade voltada para desempenho, resultados, inteligência artificial e novas formas de composição de litígios. Nosso maior ganho foi consolidar um Estado Democrático de Direito em torno da Constituição de 1988, garantindo direitos fundamentais e sociais. O desafio agora é manter essas conquistas e preparar o ensino jurídico para lidar com a aceleração tecnológica, inclusive com o uso de robôs e inteligência artificial no Judiciário, sem perder a profundidade e a efetividade”, pontuou.
Já o professor pós-doutor Rennan Thamay abordou o tema “Jurisdição Constitucional Efetiva”. Ele explicou que, no Brasil, há um movimento de integração de modelos de controle de constitucionalidade, combinando elementos de diferentes sistemas para garantir maior efetividade na aplicação da Constituição.
“Vivemos um processo de mixagem de sistemas de justiça. Hoje, o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, combina requisitos de processos subjetivos e objetivos para efetivar a Constituição, seja por meio de ativismo judicial ou pela atuação direta prevista no texto constitucional. Este evento da Esmagis é mais do que indispensável. É necessário em tempos atuais. Ele fortalece o estudo e a pesquisa, que influenciam diretamente nas decisões judiciais, e deve gerar repercussões não só em Mato Grosso, mas em todo o Brasil”, avaliou.
Representando o meio acadêmico, o diretor da Faculdade de Direito da UFMT, Carlos Eduardo Silva e Souza, ressaltou a relevância de unir diferentes instituições em torno do debate sobre a formação jurídica.
“É uma iniciativa extremamente louvável tanto do Tribunal de Justiça quanto da Esmagis, porque no mesmo espaço reúne diferentes instituições, congregando a importância dos cursos jurídicos e desenvolvendo um papel social relevante, que é discutir o ensino jurídico e como ele está sendo fomentado e oferecido no Brasil atualmente.”
Além das palestras, representantes de faculdades de Direito de Mato Grosso participaram de uma roda de conversas sobre metodologias ativas, inteligência artificial aplicada ao Direito, democracia no ambiente virtual e educação jurídica inclusiva. O objetivo foi promover o diálogo e incentivar a atualização das grades curriculares para atender às necessidades da sociedade contemporânea.
Também participaram do evento os desembargadores Lídio Modesto, Rodrigo Curvo, Helena Maria Bezerra Ramos, Juvenal Pereira, o juiz-auxiliar da Presidência Agamenon Alcântara Moreno Júnior, o juiz coordenador das atividades pedagógicas da Esmagis-MT Antônio Veloso Peleja Júnior, entre outros magistrados(as) e servidores(as).
Carta de Cuiabá
Ao final do evento, foi assinada a Carta de Cuiabá, com sugestões que serão encaminhadas ao Ministério da Educação e Cultura para a modificação da grade curricular dos cursos de Direito.
O documento é assinado pelo diretor da Esmagis-MT, desembargador Márcio Vidal; pelo diretor da Faculdade de Direito da UFMT, Prof. Dr. Carlos Eduardo Souza; pelo coordenador do curso de Direito da Faipe, Prof. Me. Gustavo Nahsan; pelo coordenador da Faculdade de Direito da Faculdade Católica de Várzea Grande (UNIFACC), Prof. Dimas Simões Franco Neto; pelo coordenador da Faculdade de Direito da Unic, Prof. Ulisses Garcia Neto; e pelo coordenador do curso de Direito da Unemat em Cáceres, César Davi Mendo.
Dentre as propostas a serem apresentadas, estão a reforma curricular estruturante, com a inclusão, na grade obrigatória, de disciplinas sobre inteligência artificial, ética digital, proteção de dados, democracia virtual e análise de algoritmos aplicados ao Direito, assim como a inserção de conteúdos vinculados à estatística, teoria econômica, consequencialismo das decisões judiciais e acesso à informação — capacitando o futuro operador do Direito para a análise crítica e a tomada de decisão informada.
Outro ponto abordado na Carta é a valorização do corpo docente, com o estabelecimento de critérios rigorosos de qualificação e avaliação para o recrutamento de profissionais, contemplando formação interdisciplinar, multidisciplinaridade e atualização constante frente às novas ferramentas e exigências da sociedade.
Interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e práticas inovadoras também são temas defendidos, com o fomento à integração curricular com as áreas de ciências computacionais, comunicação, engenharias e sociologia, promovendo uma formação apta à compreensão e ao enfrentamento das complexidades das demandas contemporâneas.
Por fim, o documento ressalta a necessidade de conteúdos sobre democracia e desinformação, com a sugestão de criação de módulos obrigatórios sobre democracia, enfrentamento à desinformação digital, análise crítica da manipulação de dados em redes e o papel do Direito frente às novas ameaças à verdade e à representação política.
“Sabedores de que o diálogo é essencial às tomadas de decisão em um Estado Democrático de Direito, propõe-se a abertura de um debate nacional para a formulação coletiva de diretrizes, com o envolvimento de escolas da magistratura, OAB, Ministério Público, representantes das faculdades e especialistas em tecnologia, objetivando garantir que as futuras gerações de profissionais do Direito recebam uma formação integral, plural, ética e alinhada às demandas da nossa sociedade”, assinalam os signatários.
“O compromisso com a qualidade da formação jurídica é, em última análise, um compromisso com a defesa do Estado Democrático de Direito, dos direitos e garantias fundamentais e com a promoção de uma sociedade mais justa, solidária e igualitária, bem como com a preparação de profissionais para os desafios do presente e do futuro.”