No mês da adoção, Comarca de Rondonópolis celebra o amor que transforma vidas

A psicóloga Denize Ferreira Barbosa de Barros, 40 anos, e o vendedor Marco Antônio Ferreira de Melo Filho, 39, acabam de celebrar a concretização de um sonho. No início de maio, receberam a certidão de nascimento de seu filho, João Paulo Schussler Ferreira de Melo, de 12 anos. A oficialização marca o feliz desfecho de um processo de adoção tardia que floresceu ao longo de quatro anos de afeto e dedicação.
Todo o trâmite do processo para a adoção foi realizado pela juíza Maria das Graças Gomes da Costa, da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Rondonópolis (220 km de Cuiabá), onde a família reside. A habilitação do casal ficou a cargo do Grupo de Apoio à Adoção (Gaar), que trabalha em conjunto com a Comarca, oferece um programa de preparação para adoção, exigido pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) e visa informar os futuros pais sobre os aspectos jurídicos e psicossociais da adoção, além de prepará-los para os desafios da convivência.
A história da família, que se torna pública no Dia Nacional da Adoção (25 de maio), ilustra a beleza e a importância da adoção tardia, mostrando que o amor e os laços familiares podem ser construídos em qualquer idade.
O desejo de adotar
Casados há 12 anos e pais de Manuela, de nove, Denize e Marco sempre acalentaram o desejo de adotar porque a adoção sempre foi vista como algo natural em suas famílias. Os dois têm familiares adotados. O plano inicial do casal era ter três filhos biológicos e um por adoção, mas a vida os levou a trilhar um caminho diferente. Após dificuldades em ter outro filho biológico, a decisão de adotar uma criança mais velha se concretizou com a chegada de João.
“O João é resposta de muita coisa na nossa vida. É resposta de oração. É um encontro de almas. Quando conheci o João, ele havia sido acolhido, mas não estava na fila de adoção. Quando ele foi para a fila de adoção, começamos o processo de fazer a triagem e regularizar toda a documentação. E, por destino, não havia nenhuma pessoa na fila que queria ficar com uma criança que tinha a idade dele, e por conta disso nós passamos a ser os primeiros da fila (no Sistema Nacional de Adoção). E assim conseguimos a guarda provisória”, relembra Denize.
A diretora do Gaar e psicóloga do Lar da Criança, Camila Vanjura Barbosa, relata que a chegada do menino ao abrigo foi marcada por um histórico de negligência e falta de referências. “Não aceitava ordem, não cumpria regras.” Um ponto de inflexão ocorreu quando João foi levado para atendimento psicológico no CAPS Infantil (Centro de Atendimento Psicossocial), onde Denize trabalhava e já atendia crianças do abrigo.
Naquele dia, mesmo não sendo sua função específica, Denize acolheu João. O vínculo entre eles se fortaleceu rapidamente. O estudo psicossocial revelou que João não possuía família extensa com condições de acolhê-lo, pavimentando o caminho para a adoção. A realidade da adoção tardia tornava a busca por um lar para João, então com nove anos, um desafio.
O amor cura
O casal realizou a preparação para a habilitação com o apoio do Gaar e, surpreendentemente, a etapa de aproximação, comum em processos de adoção, sequer foi necessária. “Quando a juíza Maria das Graças solicitou o início da aproximação porque eles já estavam habilitados, Denize disse que iria buscar para levá-lo para casa em definitivo. João chorava de felicidade”, relembra Camila.
Ela conta que a transformação em João foi notável desde o início do acompanhamento psicológico no abrigo. “Ele é uma criança muito amorosa. E no abrigo não temos como dar esse suporte, então faltava um pedaço. Quando ele ficou sabendo que iria para a casa de Denize e Marco, ficou muito feliz.”
O acompanhamento técnico de adaptação familiar e a participação dos pais no grupo de pós-adoção do Gaar solidificaram a nova estrutura familiar. “Hoje, o João é outro menino fisicamente e na personalidade. O amor curou o João”, afirma Camila, “emocionada e honrada por fazer parte dessa história”.
Ato de amor que transforma vidas
Atualmente, a Casa Abrigo Rotativa de Rondonópolis abriga 20 crianças e adolescentes, de zero a 16 anos, à espera de uma família. A presidente do Gaar, Marcia Batista, ressalta a importância de falar sobre adoção para fomentar políticas públicas eficazes e, idealmente, prevenir o acolhimento. Em 2024, Rondonópolis registrou 25 adoções, e em 2025, já são 17 concretizadas.
Mas a realidade nacional é outra. Conforme dados do SNA, 5.252 crianças e adolescentes estão disponíveis para adoção e 33.639 pretendentes ativos desejam adotar. Em Mato Grosso, são 608 crianças e adolescentes acolhidos em Casa Lares, mas 71 estão aptos a serem adotados. Na fila estão 561 pretendentes ativos.
A conta não fecha
De acordo com a juíza Maria das Graças, a “conta” da adoção não fecha porque, apesar de haver mais pretendentes do que crianças aptas para adoção, as preferências dos candidatos muitas vezes não se encaixam com a realidade das crianças acolhidas. A maioria dos pretendentes prefere crianças pequenas, de até dois anos, preferindo meninas em bom estado de saúde e sem irmãos, enquanto a maioria das crianças em abrigos são maiores de dez anos e/ou possuem irmãos, ou possuem alguma condição de saúde, o que dificulta a adoção.
No caso de adoção do casal rondonopolitano, a coincidência de não haver outras famílias na fila de adoção para uma criança da idade de João, nove anos, acelerou o processo. Além disso, e o mais importante, é a habilitação para adotar para dar a maior segurança possível para a criança ou adolescente. “Se entregamos a criança de qualquer jeito, sem critérios, ela pode ser objeto de venda, traficada, abusada, uma gama de coisas que não sabemos. E para protegê-las temos a legislação e o Sistema Nacional de Adoção que devem ser respeitados”, explica a juíza Maria das Graças.
A irmandade que floresce
A chegada de João foi cuidadosamente apresentada a Manuela, que acolheu a notícia com naturalidade. “A única coisa que ela falou foi: ‘É menino?'”
Mesmo com a nova família, o contato de João com suas irmãs biológicas e a sobrinha, de cinco anos, é mantido, ainda que esporadicamente. “Tem muitas coisas que ele tem entendimento e não tem como querermos que ele esqueça do vínculo com a família, mas buscamos orientar sobre os cuidados que temos que ter com ele, mas afastar não”, explica Marco.
Adoção Tardia
Denize reflete sobre os julgamentos em torno da adoção tardia, desmistificando a ideia de que o caráter de uma criança já está formado. “O caráter vai ser formado por meio de exemplos e não existe idade para amar, para um filho nascer. O João nasceu com nove anos.”
A maternidade com João trouxe aprendizados e curas inesperadas. “Antes do João, eu pensava que sabia muitas coisas, que tinha o entendimento de muitas coisas, e a chegada dele me mostrou que não, que eu tinha que aprender muitas coisas e tinha que me curar de muitas coisas.”
A mãe enfatiza que a adoção, em geral, é um processo que exige paciência e amor. “Querer ser mãe é diferente de ter filhos. Quando você quer ser mãe, você assume essa responsabilidade, esse papel de ser mãe e ter um filho com tudo o que ele tem para te dar. Com todas as dificuldades, defeitos, amor, e você só vê o melhor dessa pessoa.”
O laço construído com João é profundo e intuitivo. “É meu filho, desejo o melhor para ele como desejo para Manu. É um sentimento muito único, não tem tempo para ser mãe, não tem idade para que seu filho nasça, nosso filho nasceu aos nove anos e é uma bênção na nossa vida.”
Gratidão e aprendizado
Para João, a nova família representa um porto seguro e um espaço de aprendizado. “É bom fazer parte dessa família. Eu tinha uma família, mas não era presente e não era tão acolhedora, mas essa agora é e me ensina coisas que eu não sabia e me ensinou a ser um filho também. Me ensinou a ser mais respeitoso com as pessoas. Agora tenho pai e mãe que me ensinam a ser filho e cada dia mais eu sou uma pessoa melhor junto com meus pais.”
A irmã companheira
Manuela celebra a chegada de João como a realização de um desejo. “É bom ter um irmão porque não me sinto sozinha. Sinto que tenho um amigo em casa. Queria ter um irmão para brincar comigo. Quando o João chegou, eu fiquei mais feliz. Ele me ensinou a andar de bicicleta sem rodinha, ensinou a perder o medo de subir na árvore e andar a cavalo.”
Outro casal no início da jornada
O casal João Marcos Barbosa das Neves Fialho, de 29 anos, acadêmico de Geografia, e Kairo Oliveira Fialho Neves, de 31 anos, professor de História, segue os passos de Denize e Marco. Os dois já iniciaram o processo na Vara de Infância e Juventude de Rondonópolis e são assistidos pelo Gaar para se habilitarem e se tornarem pais de um menino com idade entre 10 e 12 anos. João Marcos conta que o desejo de adotar uma criança maior surgiu naturalmente. “Sempre falávamos que deveríamos ter um filho e, em janeiro, decidimos. Então, como geralmente as pessoas procuram por crianças menores, optamos por uma criança maior ou um adolescente. Estamos prontos para acolher, para que nossa família seja completa.”
De acordo com a presidente do Gaar, Marcia Matsumoto, o casal tem perfil raro, justamente porque optou por adotar uma criança maior. “Temos 20 crianças na Casa Abrigo, 28 pessoas habilitadas e 80 em habilitação, mas a conta não fecha, justamente porque a maioria busca crianças de zero a seis anos.”
No dia 09 de maio, Kairo e João participaram do workshop “Faça Bonito – Corações que Acolhem – Bases sólidas para adoção e proteção às crianças e adolescentes. O evento, realizado no Fórum de Rondonópolis, pela Vara de Infância e Juventude e parceiros, teve como público acadêmicos dos cursos de Psicologia, Pedagogia e Direito, pessoas ligadas ao tema e 80 pessoas que desejam adotar. O evento contou como parte da habilitação do Gaar para candidatos a adotantes.
Como entrar para a fila de adoção
Para mais informações sobre como adotar uma criança no Brasil, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) disponibiliza uma página com o passo a passo do processo de adoção https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/adocao/passo-a-passo-da-adocao/, que é gratuito e pode ser iniciado, em Mato Grosso, por meio do Cadastro de Pretendentes https://adocao.tjmt.jus.br/, disponibilizado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), por meio da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (CEJA). O processo também pode ser iniciado em qualquer Vara da Infância e Juventude.
É importante se atentar que a idade mínima para se habilitar à adoção é 18 anos, independentemente do estado civil, desde que seja respeitada a diferença de 16 anos entre quem deseja adotar e a criança a ser acolhida. Também podem se habilitar famílias constituídas por pai e mãe, duas mães, dois pais, não importa! O importante é ter muito amor!
Habilitação
Para a habilitação de pretendentes a adoção é preciso acessar o site https://ceja.tjmt.jus.br. A página virtual reúne todas as informações sobre adoção. Antes de preencher o formulário a pessoa interessada deverá participar do curso preparatório para pretendentes à adoção, informações sobre o curso podem ser conseguidas na comarca onde o pretendente reside.
Existe uma parceria entre o TJMT e Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio a Adoção (AMPARA), que é um grupo de apoio à adoção que realiza o curso pré-natal de adoção, tanto de forma presencial como online.